escolha uma carta

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

quebra cofres

era o grande 'quebra cofres'
mas essa história não é sobre um cara mau
só tinha grandes mãos
mudei seu apelido para quebra corações

ele não tinha culpa de, quando ia me abraçar, quebrar minha coluna
nem de ser grande daquele jeito
com um sorriso amável
e o maior dos peitos

uma força estupenda
para todos os fins
usava-a para o bem
para proteger sei lá mais quem

podia mesmo quebrar cofres
e não tinha culpa de ser assim
nem teve culpa do que fez
mas que fez, fez

quebrou meu coração em mil pedaços
e quando tentou consertar, só piorou
os cacos espalhados corriam para longe de suas mãos perigosamente grandes
e era triste ver um homem daquele tamanho chorar por machucar alguém

nunca disse ao quebra cofres que ficou tudo bem
nem que amei de novo
ele parecia tão bem
andando com seu uniforme novo

ele está melhor sem mim
correndo pela estrada da vida que não tem fim
usando seu corpo para proteger outros humanos como eu
um propósito diferente do meu

domingo, 23 de novembro de 2014

coração ginasta

estava virado pra você
agora se virou para outro
de cabeça pra baixo
de ponta de pé

se equilibrando nas mãos
saltando sem parar
tentando conectar
mas sem alguém que quer

meu coração ginasta teve tendinite
na frente do público
ele escorregou das barras
e se espatifou no chão

e todo em chamas de vergonha
se reergueu e subiu de volta
as mãos pararam de coçar
porque ele queria mais

urrou e pulou
dançou e vibrou
se recompôs com graça
mas não podia esperar o próximo passo

meu coração ginasta teve tendinite
na frente do público
ele escorregou das barras
e espatifou no chão

meu coração ginasta
espatifou no chão

meu coração ginasta
escorregou das barras

terça-feira, 18 de novembro de 2014

i dão

falas falidas
dores doídas
idas e vindas
mapas da vida
busca suicida
nirvana corrompido
valor invertido
inversão validada
suspensão
prisão
fusão
redenção

domingo, 16 de novembro de 2014

cuco

alguém lhe deu pilhas novas
lhe prendeu na parede com um prego chique
passou horas te esperando

batia ao meio-dia e era pontual
pássaro de parede
no bico trazia a hora do almoço
e nas asas, o verniz

voe, pássaro de parede, voe
acho que não
preso a sua amada parede
sendo vítima do dinheiro
você não pode voar para longe
para onde eu não posso te ver

enlouqueceu em Outubro
agora soava às três e cinquenta e oito da manhã
matava todos de ódio

o portador do inferno sonoro tinha nome
Cuco
o pássaro de parede

voe, pássaro de parede
acho que pode ser
preso a sua amada parede
sendo vítima de ofensas
você um dia voará para longe
para onde ninguém quer te ver

parou de tocar
emudeceu-se após os últimos xingamentos
fez bico, é claro, era um pássaro

seu dono estava convicto de queimá-lo
mas sua esposa benevolente mandou dar pilhas novas
e aplicar mais verniz para embelezá-lo
mas o patrão não quis conversa

voou, pássaro de parede
acho-o no lixo
arremessado de sua amada janela
sendo vítima da gravidade
você voou como sempre quis
para onde se espatifou e eu pude te reconstruir

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

luto pela manhã

você tinha razão
eu sinto saudades da noite
porque agora veio o castigo amarelo
desculpa ter matado sua lua

você me amarrou no jardim
e o sol queima meus olhos
a pele já está evaporando
e eu ainda nem comecei a gritar

desculpa ter matado sua lua
eu quero de volta a noite
vou abraçar as trevas
e vou amar as estrelas

vai ter luto pela manhã
e somente manhã
porque eu matei a sua lua
eu matei a sua lua

hoje já tem quatrocentas horas de puro câncer
ultravioleta já se tornou ultraviolento
e eu não vejo mais o seu rosto
porque você não para de chorar

escondeu sua cara
depois que eu disparei
depois que eu cometi o assassinato
e agora se trancou em casa

desculpa ter matado sua lua
aceito de volta a noite
vou deixar as trevas me engolirem
e vou abarcar nas estrelas

vai ter luto pela manhã
somente amanhã
porque eu matei sua lua
e eu matei sua lua

castigo amarelo
luz solar
lâmina U.V.A.
o fogo dos céus
queima meus olhos
e tudo isso
porque matei sua lua